Os avós ocupam um lugar inigualável nas nossas vidas. Somos o fruto dos filhos que eles plantaram no mundo, o orgulho da família, a promessa de um futuro risonho, que os encha de soberba e altivez. Tenho tantas memórias da minha avó, que hei-de andar o resto da minha vida a recordá-las. Essas memórias mantêm-na viva no meu pensamento e ajudam-me a suportar a dor da perda.
Lembro-me da história da “Bela Adormecida”, que me leu vezes sem conta por volta dos meus 3 anos, até que eu soubesse reproduzir de cor cada palavra, cada ponto final e virar de página, sem saber ainda ler. Lembro-me dos bolos caseiros que me ensinou a fazer, numas das muitas férias de Verão que passámos juntas na aldeia. Lembro-me de todas as vezes que cuidou de mim, da preocupação constante com o meu bem-estar, da alegria com que testemunhou e contribuiu para a minha educação católica, do orgulho por me ter visto terminar com sucesso a minha Licenciatura, e das muitas rezas que fez para que nunca me faltasse trabalho, para que a vida me corresse bem.
Quando tirei a carta de condução, o primeiro caminho que o meu pai me ensinou foi ir de nossa casa a casa da minha avó, um caminho que percorri inúmeras vezes. Lembro-me dos lanches de Domingo à tarde, das revistas que ela tinha por lá e que eu devorava sentada no sofá, enquanto ia ouvindo a conversa dos adultos. Era dessas revistas que ela recortava receitas para me dar. A minha avó era a fã nº1 dos meus cozinhados e, por isso, no Natal eu fazia o seu prato preferido para a consoada: bacalhau com broa e grelos.
Na casa onde viveu a maior parte da vida, e onde eu vivi os meus primeiros anos, estão espalhadas várias fotografias que lhe ofereci, aquelas que revelam as três décadas que partilhámos. Penso que a organização extrema e a memória implacável me vêm dela, que era exímia nestas duas características.
Por vezes, pensava que devíamos passar mais tempo juntas, mas a vida é demasiado complexa e passa demasiado depressa para termos tempo de dar valor ao que é realmente importante. Somos gratos, mas também somos egoístas. Agora, já não posso fazer mais nada, mas mesmo que pudesse o tempo continuaria a não encaixar na complexidade do dia-a-dia, porque temos de fazer escolhas e ser determinados e eu fui sempre demasiado ocupada para me permitir sentir a dor que hoje sinto.
Esta crónica foi escrita em memória de Maria Lucília da Costa dos Anjos 1931-2013.
Texto original escrito aqui.
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