REMIX EM PESSOA


Fernando Pessoa é, para mim, o poeta mais brilhante de sempre. A sua poesia é eloquente, profunda e ao mesmo tempo sublime. São textos de uma envolvência libertadora, que nos faz sonhar com o mar de palavras tecidas pelo seu inigualável talento.
Foi com esta expectativa que ontem me dirigi ao Teatro Villaret, em Lisboa, acreditando que um espectáculo à volta de tão belos textos seria, sem dúvida, um momento a não perder. Contudo, e após uma fraca declamação por parte do humorista Jô Soares, constatei que há artes que não se misturam.
Do que vi e ouvi, apenas retive os poemas que identifiquei, os quais me fizeram estremecer com a intensidade dos sentimentos contidos nas palavras. Estas, ganharam vida e tocaram-me directamente no coração, onde guardo um dos poemas mais comoventes que li e que aqui partilho.

O MENINO DA SUA MÃE

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Fernando Pessoa

1 comentário:

jfd disse...

Minha querida, Mário Viegas não concordaria contigo certamente. Pois ele era exímio no dominio dessas duas artes :)